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O QUE É O CINEMA MARGINAL?


MOMENTO HISTÓRICO

O Brasil vivia uma das épocas mais conturbadas de sua história. O fechamento político instaurado pelo regime militar provocou um desmoronamento das ilusões libertárias nutridas durante a década de sessenta.

Nesse período, vários movimentos fincaram suas raízes por aqui, com destaque para o Movimento Cultural Tropicalista, o Teatro Oficina e outros. Esse quadro político-cultural foi o solo fértil para o desenvolvimento do Cinema Marginal. A fonte de inspiração do Cinema Marginal foi “A Margem” (1967) de Ozualdo Candeias, um filme precursor dirigido por um cineasta paulista que, antes de se arriscar no cinema, já havia trabalhado como caminhoneiro. Um filme grotesco, irônico que definiu os moldes do que, futuramente, chamaria “Cinema Marginal”.

Ozualdo antes de dirigir seu primeiro filme já havia trabalhado com José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Figura muita conhecida por ter um estilo próprio de filmar, cineasta  que começou sua carreira desde muito cedo, seu primeiro longa-metragem foi lançado em 1958 e posteriormente teve Candeias como assistente.

NOVO VS MARGINAL

Ao contrário do Cinema Novo – movimento dos anos 60 de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos – o Cinema Marginal não possuía uma coesão interna, sendo assim, não foi reconhecido como um “movimento”. Acabou sucumbindo no início dos anos 70 devido a uma série de fatores. Um deles era a pressão dos militares, que exilaram os diretores Julio Bressane e Rogério Sganzerla, idealizadores da produtora Belair. Fora isso, havia o desinteresse do mercado exibidor e do público.

O Cinema Marginal é reconhecido devido a características presentes em toda sua filmografia, a maneira como foram produzidos e a forma de divulgação. Alguns elementos estruturais conduzem as produções feitas pelos “marginais”: A contracultura, classicismo narrativo, presença de elementos abjetos, confronto com o público, citação das chanchadas, crítica à sociedade de consumo e da comunicação em massa. Além disso, houve uma abertura para elementos presentes nos filmes hollywoodianos.

Embora até hoje pareça, para alguns, uma anomalia prática, o Cinema Marginal propunha uma sólida organização de diretores e produtores, principalmente dos cineastas paulistas, cariocas, baianos e mineiros. São três os principais centros de produção à época: a Boca do Lixo, em São Paulo, a Boca da Fome, no Rio de Janeiro e o Inferno, em Salvador. 

LUZ VERMELHA

A partir do ano de 1968 o Cinema Marginal ganha força e vários filmes são feitos, mas nem todos acabam entrando em cartaz. Os militares acabam censurando alguns. Todavia um filme conseguiu grande público e até mesmo bateu recordes nacionais. Estamos falando de “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla (1968) que, além de grande sucesso com o espectador acaba por ganhar vários prêmios em festivais.

"O Bandido" foi um filme marco, um divisor de águas, mas não foi o único grande filme a ser lançado em 68. "Câncer" de Glauber Rocha também saiu do papel. "Jardim de Guerra" de Neville d'Almeida e "Hitler no III Mundo" de José Agripino de Paulo são alguns outros grandes filmes que estrearam o novo estilo de Cinema Brasileiro.

Sganzerla antes de diretor já era respeitado como crítico de cinema do Jornal da Tarde e do Estadão. Ele e mais alguns jovens se identificaram com algumas posições do Cinema Novo e foram chamados de Cinema Novíssimo (1966-1967) por alguns críticos. Todavia acabaram, na evolução dos fatos, por radicalizá-las e ir em direção oposta. Enquanto os velhos monstros do Cinema Novo idolatravam os europeus, os Marginais por sua vez eram fãs de cineastas americanos como Fuller, Welles e Hitchcock.

Júlio Bressane, importante cineasta dos Marginais, era um grande amigo de Glauber Rocha. No ano de 1968 voltava então de uma viagem com ele em que haviam ido a vários festivais e assistido a diversos filmes. Bressane tinha suas raízes fincadas no Cinema Novo, porém no ano de 1969 acaba por filmar “O Anjo Nasceu”, um dos grandes expoentes da nova escola da qual, a partir deste filme, faria parte.

Isso despertou a fúria de Glauber que escreveu o artigo “Udigrudi”, uma velha novidade, em que define o Cinema Marginal como “Jovens cineastas, como Tonacci, Sganzerla, Bressane, Neville e outros de menor talento, que se levantaram contra o Cinema Novo anunciando uma velha novidade: cinema barato de câmara na mão e ideia na cabeça.”  Sganzerla definiu o Cinema Novo como um cinema estrangeiro, europeu, diferente, um estilo cinematográfico de difícil compreensão ao público brasileiro, ao povo. 

MODELO?

O modelo proposto pelos Marginais era um modelo de filme pobre, que questionava toda uma política cinematográfica e seu modelo padrão. As condições ideológicas da época, 68-70, propiciaram que algumas dessas propostas antigas fossem reativadas de maneira mais contundente, sem o freio a que foram submetidas no começo da década. Havia grupos armados de esquerda e torturas físicas à tona com as tais repreensões dos militares. Pregava-se uma contracultura, uma antiestética, toda uma rebeldia sessentista refletia a efervescência do movimento tropicalista e da vanguarda teatral (Teatro Oficina), pode-se inserir a pop - art nova-iorquina. A verdadeira rejeição do cinema bem feito em favor da tela suja e a estética do lixo.

A estética do lixo era, segundo autores, “o estilo mais apropriado para um país do terceiro mundo, na medida em que possibilita a transformação das sobras de um sistema internacional dominado pelo monopólio capitalista do primeiro mundo”. Isto é, cada país faz a forma de arte que sua economia permite.

Uma grande característica do Cinema Marginal é o uso de elementos estéticos urbanos, história em quadrinhos, propagandas, romances, meios de comunicação em massa (rádio e TV), jornalismo sensacionalista, o cinema em sua vertente consumista.

Com isso uma parte dos diretores do cinema novo acabou por abandonar as propostas mais radicais de questionamento da narrativa cinematográfica e caminhou em direção a conquista de mercado. Havia toda uma ruptura com os esquemas de produção da época. No Cinema Marginal o retorno financeiro se consolidou como uma característica rara no cinema brasileiro.

Rogério Sganzerla fez seus dois primeiros filmes com produção quase independente e conseguiu um bom sucesso comercial. Com o dinheiro recebido aplicou na criação da produtora Belair juntamente com Júlio Bressane, que entra com suas finanças pessoais. Os filmes da Belair foram responsáveis pelos traços mais radicais do grupo marginal em termos de um questionamento da narrativa cinematográfica. No total, a Belair produziu vários filmes entre longas e curtas.

No Rio o principal nome foi de Júlio Bressane, figura central no marginal carioca que até os dias de hoje continua fazendo grandes filmes. Além de O Anjo Nasceu, fez Barão Olavo, o Horrível, Crazy Love, Cuidado Madame, A Fada do Oriente, A Família do Barulho, Lágrima Pantera, Memórias de um Estrangulador de Loiras, O Rei do Baralho e o pretensioso Matou a Família e foi ao Cinema, todos estes durante os anos de 1969 a 1973. Outro destaque carioca é Elyseu Visconti seus principais filmes são Os Monstros de Babaloo e O Lobisomem, o Terror da Meia-Noite.

Em Minas Gerais Neville d´Almeida foi o grande mentor que juntamente com Sylvio Lanna, João Batista de Andrade e Geraldo Veloso faziam parte da divisão mineira. Algumas regiões possuíam certos centros de produções como a Boca da fome no Rio de Janeiro, a Boca do Lixo em São Paulo e a do inferno em Salvador. 

Além da linguagem cinematográfica subversiva e um amor ao cinema que vai além do ativismo político direto, os marginais professam influências óbvias de Godard (“Pierrot Le Fou”, “A Chinesa” e “Weekend”); dos neo expressionistas americanos (Welles, Fuller, Aldrich, Kubrick); e do humor das chanchadas (daí o deboche, que passou longe do Cinema Novo, pelo menos no anterior a Macunaíma). Junte-se a esse caldeirão a literatura de Oswald de Andrade, Jorge Mautner, José Agrippino; a arte conceitual de Hélio Oiticica; a música popular desde Mário Reis à Tropicália, passando por Jimi Hendrix; e o teatro de Zé Celso Martinez Correia (em alguns cineastas influência mais evidente que o próprio Glauber).

O Cinema Marginal apresenta diferenças estéticas substantivas entre seus práticos. Observáveis até com certa facilidade se comparadas as obras viscerais de Sganzerla e Trevisan, com a filmografia zen de Bressane e Candeias, notabilizam, contudo, uma congruência paradoxal: todos insistem no tradicional 90 minutos, sem ousar nos formatos mais longos ou curtos, como fizeram os rebeldes novaiorquinos.

POBREZA E DIVERGÊNCIAS

Muitas obras do movimento não são aceitas nos festivais. O motivo, segundo alguns dirigentes, seria a falta de condições técnicas. Com isso os marginais excluídos acabam organizando mostras paralelas. Em Brasília é criada a 1ª Mostra de Horror Nacional.

Contestando costumes e rompendo com a linguagem linear, os jovens cineastas fogem da discussão sobre processos políticos e sociais. Para eles, “cinema marginal” é, antes de tudo, uma cinematografia apoiada num modelo de filme pobre. Ao retratar a situação real do país com seus deboches e ousadias, rompem com o intelectualismo do cinema-novistas para tentar encontrar o grande público. Sua base é a linguagem grotesca e erótica, sem resquícios de moralismos éticos.

Essas diferenças parecem mais pertinentes e surgem mais à vista, do que as possíveis (ainda que bem plausíveis) afinidades técnicas entre as duas escolas: plano-sequência, câmera na mão etc. Ao contrário dos novistas, que tinham com o precursor e padrinho Nelson Pereira dos Santos, com a mesma idade e origem intelectual, os marginais são de várias faixas etárias e classes sociais. Vão desde um cinquentão proletário (Candeias), a jovens burgueses rebelados (Bressane), passando por escritores (Agrippino) e diretores de teatro (Álvaro Guimarães).

Hoje, quando ambos os movimentos se dissolvem pela ação corrosiva do tempo, restam os filmes. E suas influências, não mais as que receberam, mas as que exerceram nos cineastas que chegam depois. Por outro lado, os ex-marginais – ainda, e sempre, marginalizados – e alguns de seus descendentes continuam pregando, e fazendo um cinema radical de muita artesania.

Na própria década de 70 os filmes marginalizados ganham um tom cult e vários festivais são criados para divulgar os filmes como é o caso da Semana do Cinema Maldito em Ipanema, Semana do Cinema Marginalizado Brasileiro, Mostra do Cinema, Ciclo de Cinema Bandido entre outros.

MARGINAL CAFAJESTE

Devido a dificuldade em encontrar uma unidade para o segmento marginal, foi definido um grupo que produzia de forma mais coesa e se relacionava com mais proximidade: O Cinema Marginal Cafajeste.

Produzindo com pouco dinheiro e filmando de forma rápida, este segmento utilizava-se do erotismo e conseguia boa distribuição e público. Os diretores principais do “marginal cafajeste” são Carlos Reichenbach, Antônio Lima, João Callegaro, Jairo Ferreira e Carlos Alberto Ebert. Entre suas obras, muitas feitas em conjunto, destacam-se: “As Libertinas” (1969), de Reichenbach, Lima e Callegaro e “Audácia, Fúrias dos Desejos” (1970), de Reichenbach e Lima. Fora estes, há “República da Traição” (1970), de Carlos Alberto Ebert e “O Pornógrafo”, de João Callegaro. Bem próximo a este grupo localiza-se “A Mulher de Todos”, feito por Sganzerla em 1969.

Mais distante do esquema de produção marginal cafajeste encontra-se Andréa Tonacci com seu filme “Bang-Bang” e Ozualdo Candeias com “A Margem”, de 1967. Apesar deste último não ter uma relação direta com o grupo, a obra é citada como “filme-referência” do Cinema Marginal.


O FIM

O fim do movimento se dá de forma compulsiva, no inicio dos anos 70, a tensão obriga uma boa parte dos cineastas a emigrar em direção à Europa. Estiveram no exterior Julio, Rogério, Neville, Andréa entre outros. Outro fator importante é o retorno de Neville ao Brasil e logo na sua reestreia nos cinemas brasileiros rompe com a marginalidade e atinge em cheio o mercado exibidor com A Dama da Lotação. A 5ª maior bilheteria da história do cinema nacional, quase 7 milhões espectadores no filme que tem como atriz principal Sônia Braga.

É importante ressaltar que o cinema marginal - diferindo do cinema Underground americano, o qual é freqüentemente associado - não queria ficar à margem dos circuitos exibidores, mas sim, foi um cinema marginalizado pelos circuitos e pela censura (com raras exceções, entre essas O Bandido da Luz Vermelha).

10 FILMES PARA CONHECER E RECONHECER O CINEMA MARGINAL

1 – Bang Bang (1971) – Direção: Andrea Tonacci

Homem neurastênico que, durante a realização de um filme, se vê envolvido em várias situações como o romance com uma bailarina espanhola, perseguições, discussões com um motorista de táxi e o enfrentamento com um bizarro trio de bandidos.

2 – Matou a Família e Foi ao Cinema (1969) – Direção: Júlio Bressane

Um rapaz de classe média baixa carioca mata os pais a navalhadas e vai ao cinema ver Perdidos de Amor. Márcia, uma jovem rica e insatisfeita, aproveita uma viagem do marido para ir à casa de Petrópolis, onde recebe a visita de uma velha amiga, Regina. Intercaladas com as cenas entre elas, que dançam, conversam sobre homens e se acariciam, aparecem pequenas histórias autônomas de assassinatos no interior de famílias pobres. Entre essas crônicas familiares, uma história destoa: a do preso político torturado até a morte.

3 – Meteorango Kid, Héroi Intergaláctico (1969) – Direção: André Luiz Oliveira

As aventuras de Lula, um estudante universitário, no dia do seu aniversário. De forma absolutamente despojada, anárquica e irreverente, mostra sem rodeios o perfil de um jovem desesperado, representante de uma geração oprimida pela ditadura militar e pela moral retrógrada de uma sociedade passiva e hipócrita. O anti-herói intergaláctico atravessa esse labirinto cotidiano através das suas fantasias e delírios libertários, deixando atrás de si um rastro de inconformismo e um convite à rebelião em todos os níveis

4 – O Anjo Nasceu (1969) – Direção: Júlio Bressane

Dois bandidos saem pela cidade cometendo atos de violência. Santamaria, místico, acredita que assim está se aproximando de um anjo que lhe limpará a alma. Urtiga, um marginal ingênuo, segue os passos do amigo, acreditando também no anjo da salvação.

5 – O Bandido da Luz Vermelha (1968) – Direção: Rogério Sganzerla

Marginal paulista chamado João Acácio Pereira, mais conhecido como Bandido da Luz Vermelha, coloca a população em polvorosa e desafia a polícia ao cometer os crimes mais requintados – de estupro a assassinatos. Ele conhece a provocante Janete Jane, famosa em toda a Boca do Lixo, por quem se apaixona.

6 – O Estranho Mundo de Zé do Caixão (1968) – Direção: José Mojica Marins

Elevado ao estado inatingível dos seres sobrenaturais, Zé do Caixão desfia sua filosofia e apresenta três contos em O Fabricante de Bonecas, marginais invadem a casa de um velhinho e descobrem o segredo da confecção de suas bonecas em Tara, um vendedor de balões fantasia uma paixão doentia por uma garota que ele segue obsessivamente pelas ruas. Em Ideologia, o excêntrico Professor Oãxiac Odez tenta provar a um rival que o instinto prevalece sobre a razão, usando métodos nada ortodoxos.

7 – Os Monstros de Babaloo (1970) – Direção: Elyseu Visconti

Uma aventura burlesca na misteriosa Ilha de Babaloo envolve a trágica família de um industrial com punhos de ferro, rei do quiabo e do jiló no ano dos acontecimentos extraordinários que se seguem. Paraíso perdido, o lugar é dominado por Madame Bouganville, por sua filha, e pela empregada.

8 – Ritual dos Sádicos (1970) – Direção: José Mojica Marins

Um renomado psiquiatra injeta doses de LSD em quatro voluntários com o objetivo de estudar os efeitos do tóxico sob a influência da imagem de Zé do Caixão. O personagem aparece de maneira diferente nos delírios psicodélicos e multicoloridos de cada um, misturando sexo, perversão, sadismo e misoginia. Interrogado por um grupo de intelectuais, o psiquiatra faz uma revelação surpreendente que os obriga a questionar suas convicções.

9 – Sem Essa, Aranha! (1970) – Direção: Rogério Sganzerla

O filme é uma comédia sobre a fome, ensaio de humor negro sobre a miséria agônica do subdesenvolvimento mental de nossas elites, onde o excelente cômico Jorge Loredo representa a burguesia nacional através do personagem-título, um pobre diabo chapliniano e um magnata inigualável, às voltas com os constantes solavancos de nossa realidade, sujeita a chuvas e trovoadas, assim como as quarteladas e abusos de autoridade, típicos da época em que foi rodado.

10 – Documentário (1966) – Direção: Rogério Sganzerla

Dois jovens sem nada para fazer, caminham e conversam pela cidade de São Paulo discutindo se vão ou não ao cinema.



Texto: M. V. Pacheco
Revisão: Rubens F. Lucchetti



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