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AS AVENTURAS DE PI (2012) - EXPLICAÇÃO DEFINITIVA


Indicado ao Oscar, o filme "As aventuras de Pi" - baseado no livro "A vida de Pi" (Ed. Rocco), de Yann Martel - parece mais do que apenas uma narrativa de sobrevivência. A história traz, em seus 127 minutos de duração, uma enxurrada de simbolismos sobre destino, sentido da vida, fé e a capacidade de lidarmos com nossos próprios traumas de forma positiva. Não é a toa que o já maduro Pi, logo no começo da narração, defina sua jornada em alto-mar como uma "história para acreditar em Deus", ao invés de uma mancha negra em seu passado.

Isso, aliás, mostra um pouco das diferenças essenciais entre a cultura ocidental e oriental. O adolescente indiano, ao invés de tentar esquecer o que aconteceu - por mais dramática que a experiência tenha sido - procura dar um significado maior ao seu passado. Isso provavelmente faz dele não só uma pessoa mais forte, mas igualmente serena, como mostram seus sorrisos doces e o leve humor com o qual conta uma história tão difícil.


Além das belas atuações, pode-se dizer que grande parte do trunfo do filme encontra-se no bom gosto do diretor Ang Lee, que nos envolve no clima indiano, com suas músicas, paisagens, deuses e filosofias. Ele mostra com lirismo como um jovem indiano pode sobreviver por meses no Oceano Pacífico sem perder a fé, principalmente na companhia de um adorável e também assustador tigre, chamado "carinhosamente" de Richard Parker.

Pi nasce na Índia, filho caçula do dono de um zoológico e de uma botânica. Inabalável em sua crença no sagrado, quando criança, ele encontra espaço o suficiente em seu coração para abraçar as três maiores fés do mundo: o hinduísmo, o cristianismo e o islamismo, ignorando as diferenças de dogmas e preconceitos. Pi entende a unicidade e onipresença da luz de DEUS, independente das formas e dos avatares existentes na história da humanidade.


Confronto para domar o tigre. Jamais se tratou de apenas domar o tigre

O confronto do rapaz com o Tigre se dá de uma forma extremamente simbólica. Na verdade, o tigre representa a parte cruel do ser humano, com quem Pi terá que lutar até o fim se quiser manter-se vivo. Essa salvação pode ser compreendida metaforicamente, literalmente e religiosamente. Como ele está num bote apenas com o tigre, será necessário domar os impulsos ferozes do animal para evitar sua própria morte. Na verdade, ele não procura matar o animal, apenas busca uma convivência pacífica com o mesmo. Utilizando uma abordagem semelhante a vários filmes como Cisne Negro, X-Men 3 (a indomável Jean Grey/Fênix Negra) ou Senhor dos Anéis (o Gollum), onde o personagem não sobrevive sem seu lado sombrio. 

Isso faz sentido ao notarmos a inclinação assassina despertada em Pi através da luta pela sobrevivência, se ele quiser continuar a ser a pessoa alegre de antes precisará combater esse instinto e domá-lo. Caso contrário, o tigre matará o rapaz, tornando-se o único no bote, representação do próprio Pi composto por duas personalidades. Por isso, sou totalmente contra o filme ter ganhado  o título brasileiro “Aventuras de Pi”, pois esse confronto se dará eternamente no personagem narrador, apesar do mesmo constantemente tentar manter suas tendências violentas (despertadas pelo trauma no bote) adormecidas.



A abordagem religiosa em A Vida de Pi: demonstração dela na diversidade cultural e necessidade de autocontrole do personagem.

A salvação esperada por Pi, além da literal (no caso, seria a chegada em terra), também pode ser vista pela religiosidade do rapaz. Ele gostaria de ser muçulmano, hindu e cristão simultaneamente. Isso pode indicar um possível desespero do mesmo ao tentar controlar de todas as formas sua personalidade, caracterizada pelo tigre. Na embarcação, um dos atos mais repetidos pelo menino é o da oração, é óbvio a tendência das pessoas em orar numa situação tão trágica quanto a dele. 

Entretanto após analisar o final, compreendemos que Pi não é alguém confiável. Ele pode moldar os fatos conforme for sua vontade. Não havia testemunhas e Richard Parker pode ser meramente uma projeção sua, não existindo fisicamente a não ser através de Pi. Portanto, é inútil questionar se a trama prova ou não a existência de Deus, pois basta salientar o foco do importante ser Pi manter suas “tendências assassinas” quietas, nem que para isso precise crer piamente em algo totalmente distinto de seus paradigmas (sua família não era adepta ao cristianismo). Ele provou, sim, que somente sua fé conseguiu fazê-lo viver com a consciência limpa, o suficiente para seguir em frente normalmente independente de seus crimes passados.


A paixão de Pi pelos animais não é incomum, ele projeta através de cada um no bote alguém que participou dos eventos pós-naufrágio. Isso se deve ao antropomorfismo expressado por sua consideração pelos habitantes do zoológico de seu pai desde a infância. Várias discussões são relatadas no livro a respeito do estabelecimento e até alguns excelentes argumentos sobre manter ou não animais no zoológico. 

A preocupação do autor demonstra ser um pedido de respeito aos animais. São exploradas várias questões bastante interessantes sobre o comportamento deles. A maioria das pessoas não atenta para esses detalhes, todavia isso enriquece demais a narrativa antes de fornecer um panorama mais reflexivo do papel de Pi ao lidar com eles.


PI E SUA MENSAGEM DE FORÇA

Desse modo, o que poderia ser mais uma sucessão de imagens de desespero, medo, revolta, tristeza e terror - tão comuns em filmes desse tipo - se torna uma sequência exuberante de belas imagens, que mais elevam o espírito do que nos leva à tristeza. Este fato chega a ser curioso, pois antes do naufrágio Pi não tinha uma religião definida. 

Após um período de experimentações na infância, ele praticamente se ocidentalizou, por assim dizer, quando passou a seguir a filosofia da razão e da ciência de seu pai. A partir daquele momento, toda a magia da vida praticamente se perdeu para o personagem. Paradoxalmente, foi necessária uma tragédia para que sua fé e seu deslumbramento com a natureza retornassem intensamente.


Na verdade, é comovente assisti-lo agradecendo a toda pequena dádiva, assim como a própria presença de Richard Parker, o tigre, que apesar de uma constante ameaça, era também uma espécie de foco motivacional que o fazia não perder de vista seu propósito. Afinal, Pi até poderia morrer, mas como deixar um outro ser vivo, que depende de você, sucumbir por negligência?

"As aventuras de Pi" se aproxima muito das lendas e fábulas que tanto gostávamos de ouvir quando crianças. Afinal, essas histórias transmitem grandes mensagens de coragem, força, determinação e otimismo, mesmo se vemos nossos personagens preferidos nas mais complicadas situações. Talvez nós temos a certeza de que eles conseguirão superar tudo, pois geralmente estes heróis e heroínas são marcados por algum sinal do destino, que os impulsiona para sua saga e, ao mesmo tempo, é o que os salva do perigo.


Por isso, é interessante notar que uma pessoa marcada com um nome tão curioso quanto Piscine Molitor Patel - em homenagem a uma piscina pública francesa - tenha vivido fascinado pelo elemento Água, ao ponto de ficar admirado com tempestades ou saber nadar muito bem. Ou seja, o que na infância foi motivo de chacota dos colegas de escola, na juventude tornou-se o detalhe essencial entre vida e morte.

A ILHA

Quanto à ilha, essa é a parte mais genial. Admito que só compreendi melhor após a adaptação cinematográfica, pois ocorre a revelação da mesma estar em formato de homem. A ilha também expressa as circunstâncias mentais do protagonista. Ela é antropofágica, tal qual Pi precisou ser a fim de sobreviver. Entretanto se ele continuasse nela, ou seja, caso o rapaz continuasse a se alimentar de tal forma (o ato de ingerir carne é ainda pior para ele se levarmos em conta sua família vegetariana), morreria. Isso faz alusão à banalização da violência. O corpo continuaria vivo, entretanto Pi estaria se enganando e deixando sua crueldade aflorar até dominá-lo. 


Nesses momentos, os suricatos representam a alienação mental do rapaz, por isso sequer se defendiam do tigre, pois estavam ocupados demais aceitando as comidas. Percebam o seguinte: se Pi continuasse na ilha, Richard Parker também estaria. O tigre alimentava-se dos animais da mesma. Se Pi é a ilha, os suricatos são os resquícios de sua inocência. Eles seriam devorados pelo tigre, que possuiria todo o controle sobre o território. Além disso, a ilha acabaria matando Pi, logo o corpo (a ilha) extinguiria qualquer vestígio de humanidade (representada por Pi) do local. Por esta razão óbvia, o dente misterioso é dele mesmo...

Um jovem, uma zebra, uma hiena e um macaco sobreviventes de um naufrágio em pleno oceano, longe do mais remoto traço de civilização. No fim do filme, a versão racional é revelada, o garoto, sua mãe (macaco), um cozinheiro (hiena) e um tripulante ferido (zebra com perna quebrada) tentam sobreviver durante semanas. Para manter-se vivo, o cozinheiro (hiena) usa a zebra ferida como alimento para pesca e, após isso, no desespero de sobreviver, mata a mãe de Pi, personificada no orangotango "suco de laranja". Não mais suportando tamanha crueldade, o tigre adormecido em Pi surge e mata ferozmente a hiena  (cozinheiro).


 Os tigres sempre foram símbolos orientais da força desgovernada, dos impulsos primitivos e da "bestialidade humana". O tigre reaparece em Pi no momento necessário e, a partir desse momento, é travada uma imensa disputa, com direito a tormentas e tempestades, entre "homem e seu próprio tigre", ou espírito x matéria. As inúmeras tempestades  simbolizam a árdua missão que é ter o controle dos próprios instintos, o domínio das paixões humanas.

Durante a batalha, Pi respeita  e cuida do seu lado "yin", pois sabe que sem ele, o "yang"(yin-yang),  não é possível a manutenção da vida  em plena harmonia, segundo tradição taoista. No cristianismo, temos duelo entre as sete virtudes (força, caridade, fé, esperança, temperança, justiça e prudência), e os sete pecados capitais (preguiça, luxúria, inveja, orgulho, gula, avareza, cólera), que devem se equilibrar em nossa natureza humana, estando as primeiras no controle. 


As virtudes teologais cristãs também são marcantes no filme: fé em Deus na tormenta, esperança de sobreviver a batalha espiritual, e o amor e altruísmo para consigo, que inclui a "fera interior", necessária para nossa própria existência, mas que precisa, assim como Richard Park (o tigre), ser "adestrada"..

 Ao encontrar terra firme, a "despedida" do garoto e do tigre é um momento Epifânio. O tigre não olha para trás propositalmente, para indicar que não há despedida, mas um reencontro com a natureza de cada um, o equilíbrio metafisico é atingido. O espirito domina a matéria e reina pujante sobre ela no controle da "fera interior".


A BALEIA E SUA REPRESENTAÇÃO

No momento que antecede a cena que a baleia surge, Pi encontra-se numa espécie de "zona de conforto" onde ele sai do barco, constrói uma jangada e ali vai escrevendo suas memórias, amparado pela comida enlatada, que ele conseguiu tirar da embarcação. A baleia surge, e numa das mais belas cenas, destrói tudo, obrigando Pi a confrontar o tigre (ele mesmo) na busca de alimento.

Ela simboliza a escuridão abissal e misteriosa, o inconsciente, o local para onde o herói precisa retornar para que seja possível o seu renascimento. No mito do herói, a baleia é um símbolo da Grande -Mãe devoradora em cujo ventre o deus-herói se transforma, e sendo que nesse confronto com a Grande-Mãe, temos o simbolismo de que é o ego do homem que precisava ser transformado. 


A luta do herói contra a baleia ou qualquer outro monstro marinho se constitui num símbolo da luta pela libertação da consciência do eu das ligações com o inconsciente e a sua salvação se constitui dessa maneira num símbolo da vitória do consciente sobre o inconsciente. A saída do ventre da baleia significa um renascer ou uma ressurreição, tanto que o símbolo da baleia é comum a vários ritos de iniciação. A entrada em seu ventre é análoga a descida ao submundo e a passagem pelo inferno.

DOIS MOMENTOS PECULIARES

Quando Pi, finalmente é encurralado pelas suas emoções (citado acima), vendo sua mãe (macaco), sendo morta pela hiena (cozinheiro) na sua frente, a câmera do diretor se posiciona frontalmente a Pi. Neste instante de fúria, o tigre aparece (depois de um longo período esquecido), de forma como se saísse de dentro do personagem, mostrando explicitamente qual versão da história é a verdadeira.


Noutra situação, à noite, quando Pi conversa com o tigre, ele invoca ao animal que diga o que ele esta vendo. A câmera fica frontal à cara do tigre, que olha para o fundo do oceano e  vê conflitos e outras situações ligados ao menino. Quando ele volta, a câmera esta posicionada da mesma forma, porém agora em Pi, mostrando claramente que eles são a mesma pessoa. Naquele momento o tigre/menino foi ao fundo de suas emoções e por um breve instante, perceberam inclusive que eram a mesma pessoa.

TSIMTSUM - O NAVIO

Em um episódio com Richard Parker, em seu primeiro contato íntimo com o tigre, o protagonista tenta alimentá-lo com a própria mão, encarando-o nos olhos. Pi enxerga a alma do animal e a impressão que temos é que tudo correria bem, se o pai de Pi não o tivesse impedido, com medo do que aconteceria com o filho. Para ensiná-lo uma lição, o Sr. Patel alimenta o tigre com uma cabra, pedindo-o para ficar de olhos abertos, presenciando a selvageria do animal. Pi fica desolado. Seu mundo perde a cor, e sua fé fica completamente abalada. Assim o protagonista cresce, à procura de algo que trouxesse novamente significado em sua vida.


O auge do filme, porém, ocorre após a decisão do Sr. Patel de se mudar com toda a família para o Canadá, embarcando em um navio japonês, denominado Tsimtsum, para vender os animais do zoológico. Depois de quatro dias de viagem, Pi acorda no meio da noite em meio a uma violenta tempestade. Curiosamente, ele pede “mais chuva, mais chuva” ao “Deus da Tempestade”, e o Tsimtsum afunda, deixando-o a deriva no Oceano Pacífico.

O grande cabalista Isaac Luria descreveu um fenômeno curioso. No começo não havia Nada, apenas Luz Infinita. Nesse estágio pré-Criação, não existia lugar onde algo pudesse existir. Quando Ele decidiu criar, sabendo que nada poderia existir onde existisse a Luz Infinita, tamanha sua potência, o Criador retraiu sua Luz em um determinado espaço e o circunda, resultando em um vácuo dentro da Luz Infinita. Só então Ele estendeu para dentro deste vácuo circular um raio de Luz que gerou toda a Criação.


Esse ato de contração de si mesmo para que pudéssemos existir, Luria chamou de Tsimtsum. O Criador, ao criar este espaço, delimitá-lo e enviar um raio de Luz, revela os conceitos de limite e restrição tão necessários à criação, muito similar à função do número irracional Pi. 

Pi, durante a tempestade, age como a Criatura foi programada para agir: ele pede mais e mais, pois assim é a criatura em essência, em seu desejo egoísta de receber. E é nesse instante que o Tsimtsum afunda, em uma linda cena com alegorias sobre o momento da Criação para satisfazer qualquer estudante de cabala (talvez até mesmo o próprio Isaac Luria).


Após o naufrágio, o protagonista passa por diversas situações em sua luta para sobreviver. Sozinho, tendo perdido sua família, alimentando e ao mesmo tempo dominando Richard Parker, o que pode claramente ser uma alusão ao nosso Adversário, ao nosso ego e ao constante desejo de receber para si.

Durante toda a viagem de Pi e Richard Parker em alto mar, é possível identificar diversas referências cabalísticas. Em certo ponto, por exemplo, os personagens passam pela esfera de Yesod, antes de terminarem sua jornada, chegando finalmente a Malkuth. Para não entregar o ouro tão facilmente, deixemos aos leitores a percepção destes pormenores.


Ao final de sua história, Pi conta para o jornalista que existem duas versões da história e que ele deve escolher qual é a verdadeira: a que ele acabara de contar, repleta de significados, amor e milagres; e a outra, com fatos realistas e cruéis. 

De acordo com Pi, DEUS é a “melhor história”. Acreditar em DEUS torna a vida mais rica e mais repleta de sentidos – e ainda assim, a vida é a mesma. Ele viveu seu momento pessoal de re-criação do seu universo, sobrevivendo a todas as mazelas e vendo a beleza do Criador em todas elas.
A escolha, na verdade, é sempre nossa: ver apenas o sofrimento e a dor do mundo ou descobrir o significado profundo de todas as coisas.

DEUS, ao criar o Universo, oculta sua Luz de nós, para que nós possamos fazer nossas próprias escolhas. Mas Ele permanece imanentemente presente, mesmo estando oculto. De certa forma, ele está mais presente em Sua ausência que em Sua presença.


O VALOR DE SER QUEM VOCÊ É

O que podemos tirar de lição disso, portanto, é que nós também, tal como Pi, temos muitas coisas que nos definem, mas das quais podemos nos envergonhar por não se ajustar ao grupo. Porém, como não podemos ser nada além do que somos, entender isso e aceitar nossa singularidade é o que de fato nos torna mais resilientes aos problemas da vida. Por outro lado, a história também nos mostra que, mesmo nos piores momentos, não precisamos nos desesperar, nem transbordar em sofrimento ou lamentações, pois podemos escolher ser flexíveis, humildes e pacientes.

No fim, sejam boas ou más as experiências, nada dura para sempre e é preciso deixar ir aquilo que não nos serve mais. Curiosamente, mesmo na dor, nos apegamos a tudo que nos lembra aquele sofrimento e ficamos revivendo-o eternamente. E isso, eventualmente, nos faz prisioneiros do passado. Nada mais sábio, então, que nos libertarmos para viver uma nova vida, limpos e prontos para novas aventuras.


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