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SHAME (2011) - VOZ DOS LEITORES


SHAME 
Por Silvio Tavares

Dizem que a alegria é um estágio passageiro e a felicidade é um estado definitivo, ao menos para a raça humana. Independente do conceito que adotarmos e com que abrangência, é consequência direta desta abordagem que não se sentir feliz ou alegre de acordo com os preceitos estabelecidos pela sociedade é degradante, como comentamos ao falar sobre O Deserto Vermelho de Antonioni.

Como nos comportamos diante desta constatação e somos atingidos por ela é algo de cunho estritamente pessoal. Em Shame, a canalização da frustração é instintiva e auto-destrutiva. O sexo não é projetado como um vício do protagonista ao meu ver, mas um real desprezo ao perpétuo, uma desilusão completa com eventos positivos duradouros, um momento minúsculo de felicidade em um contexto altamente repressivo, onde visivelmente não há escapatórias.

A estória trata de Brandon, um homem adulto, relativamente jovem, bem apessoado e razoavelmente bem sucedido, com moradia própria e um emprego que ao menos não parece ameaçar seu padrão de vida. Aparentemente, Brandon personifica através das características acima elencadas, um paradigma a ser seguido. E é justamente por esta convicção de caráter geral de “sucesso” a que muitos aspiram, que o aparente paradoxo entre vivenciar um mundo como o de Brandon e não ser feliz o leva ao total desajuste emocional.

Curioso que o protagonista utiliza de suas próprias vitórias para construir o mecanismo que prolifera sua auto-destruição. Por não ter dificuldades em conhecer e conquistar mulheres pela aparência e pela independência que o dinheiro lhe proporciona (basta ver que o nível dos lugares frequentados por ele não é exatamente o pior quando ele assim o deseja), a atividade sexual intensa reúne de forma visceral o binômio – o “intenso e efêmero” (que atinge um auge e depois se esvai) e a reafirmação de que tudo que é positivo e mais valoroso para as pessoas não proporciona a felicidade duradoura. Brandon revive o mesmo dia todos os dias, mas busca desesperadamente em suas quedas psicológicas reafirmar que “está certo” em sua análise inconsciente – razão pela qual frequenta ambientes e degrada cada vez mais suas relações, que se tornam ainda mais desajustadas, proibitivas e atípicas – e ao mesmo tempo, não consegue viver de acordo com ela – ele efetivamente busca a cura (o relacionamento com a moça do trabalho é um exemplo e a conversa no restaurante evidencia muito da personalidade de Brandon), muito embora seja fraco demais para lutar contra esta perspectiva cruel.

No entanto, as pessoas se adaptam à realidades que não sejam impeditivas e por vezes, pasmem, até gostem delas. É possível, infelizmente para alguns, permanecer em um ciclo eterno de decepções, reconstruções e infelicidades e desejar intensamente que aquilo não se acabe pois é uma forma de se sentir vivo. Não de forma consciente, claro, mas ocorre.

A quebra dessa suposta adaptação é a temática de Shame. Quando a irmã, aparentemente tão destrutiva quanto ele, passa uma temporada no apartamento, Brandon projeta em sua figura e nas vivências em comum com um parente consanguíneo um ódio de sua própria imagem. Não sabendo lidar com esta perspectiva intrusa em seu cotidiano, seu comportamento se torna errático e confuso. Internamente acelera seu processo degradativo (mais mulheres, mais experiências sexuais estranhas, tentativas de chegar ao “fundo do poço” no vício), externamente o nega veementemente a fim de que sua irmã não perceba o horror que passa diariamente por simples vergonha. Então toma medidas agressivas com relação à moça, a utiliza como arma de frustração, no fim retratando um enorme medo de si mesmo e de que os outros percebam quem é.

Shame é um filme pesado, profundamente adulto e dramático. Os personagens principais não são carismáticos e o enredo é composto de ideias centrais que só funcionam com desenvolvimento lento e gradativo, construído no decorrer do filme. É um filme triste, que com certeza não agradará a todos.

                                                                                                               Sílvio Tavares, cinéfilo e leitor do site 
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