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SCARFACE (1983) - REBOBINANDO CLÁSSICOS


REVISITANDO CLÁSSICOS

Ficha técnica

EUA,1983. 170 min. Diretor: Brian De Palma. Elenco: Al Pacino, Steven Bauer, Michelle Pfeiffer, Mary Elizabeth Mastrantonio, Robert Loggia, Paul Shenar, F. Murray Abraham, Harris Yulin, Miriam Colon, Pepe Serna, Richard Belzer, Gregg Henry.

Sinopse:

Tony Montana depois de ter sido expulso de Cuba por Fidel Castro em 1980 chega a Miami e em pouco tempo se torna o rei do tráfico de Cocaína. Tem tendências incestuosas com a irmã e acaba se viciando na droga e perdendo o controle de seu império.


Análise: 

Saiu simultaneamente no Brasil e nos EUA uma edição em Blu-Ray de um dos filmes mais polêmicos e também cults dos anos 80.  Al Pacino diz que é um dos seus favoritos. Poucos, porém se lembram de é a refilmagem de outro Scarface, o clássico de Howard Hawks que com justiça é considerado um dos filmes mais famosos e polêmicos do gênero. E também um dos primeiros a ter problemas graves com a censura, que por sinal lhe impôs um subtítulo moralista, A Vergonha de uma Nação. Importante notar que esta refilmagem traz uma dedicatória não apenas a Hawks mas também ao roteirista Bem Hecht.

O Scarface de 1932 é uma produção do excêntrico milionário Howard Hughes, que achou que fazer uma fita de gangster era o que lhe dava mais chance de sucesso e chamou para realizar o projeto aquele que considerava o melhor diretor de Hollywood, Howard Hawks. E lhe deu a ideia básica: fazer uma espécie de adaptação da vida da família dos Bórgia, só que vivendo em Chicago nos anos trinta. Ou seja, Cesar Bórgia seria o gangster Al Capone e teria mesmo uma atração incestuosa por sua irmã, que seria uma espécie de Lucrécia Bórgia. Esse seria o ponto de partida para um projeto muito complicado porque na época havia uma grande rejeição contra os filmes que pareciam endeusar os gangsteres como O Pequeno Cesar/ Alma no Lodo com Edward G Robinson e O Inimigo Publico Numero Um com James Cagney (vendo os filmes de Cagney e Bogart que Tony Montana teria aprendido a falar inglês, na refilmagem). Mas é fato que a história original é inspirada na vida de Capone, que realmente tinha uma cicatriz como o Scarface do filme, embora ela fosse no pescoço e não no rosto. 

Hawks sempre declarou que chegou a consultar os gangsters sobre o projeto e que o próprio Capone teria gostado tanto do filme que tinha uma cópia pessoal dele. Pode ser exagero, mas o fato é que muitos incidentes da história são inspirados em fatos reais e que a quadrilha de Capone ficou até lisonjeada em ser mostrada num filme como também os traficantes latinos que Oliver Stone conheceu para escrever seu roteiro. Paul Muni que faz o papel título em 1932, foi descoberto no teatro iídiche de Nova York e relutou muito antes de fazer o personagem. Pacino se inspirou nele e também seu estilo de representar um pouco exagerado, chegado ao chamado overacting.

Quem teve a ideia de refazer o filme foi o produtor Martin Bregman, que sentiu que havia um clima pronto para ressuscitar o gênero gangster. Mas foi basicamente o diretor Sidney Lumet quem teve a ideia de contar a historia dos traficantes cubanos em Miami e mesmo usar o filme antigo como base. Chamaram então o roteirista Oliver Stone (que na época havia um fracasso como diretor A Mão/The Hand com Michael Caine e precisava de dinheiro porque naquele momento estava viciado em cocaína e tentava se livrar do vicio morando uns tempos em Paris. Foi lá que escreveu o texto, mas não sem antes fazer uma viagem de pesquisa com a esposa para disfarçar, por Miami, Caribe, Bolívia e Equador. Foi quando conviveu com bandidos de verdade. Quando entregou o script Pacino que já estava no projeto gostou muito, mas Lumet recusou porque queria fazer um filme mais político. Assim chamaram para o projeto De Palma, que não mexeu quase no trabalho de Stone. 


Começaram a rodar em Miami, na famosa Ocean Drive (bairro Art Decô em Miami Beach, com hotéis antigos restaurados), mas depois de um tempo começaram a ser ameaçados pelos cubanos locais que se ofenderam e não queriam ser retratados como traficantes desenfreados (era fato porém que a droga imperava naquele momento na cidade, tanto que logo depois surgiu o seriado Miami Vice, de Michael Mann). A equipe preferiu então retornar a Los Angeles onde maquiaram os lugares para ficarem parecidos com Miami. É interessante notar que no filme o apelido Scarface é falado apenas uma vez e assim mesmo em castelhano, e o próprio Tony quando interrogado não revela detalhes de como a conseguiu, só insinuando que teria sido numa briga  e que o rival teria ficado pior que ele (nessa cena do interrogatório logo no começo após o documentário que situa os fatos e mostra cenas reais de quando Fidel expulsou de sua ilha, ouvem-se as vozes de dois amigos do diretor Dennis Franz e Charles Durning). 

Extremamente violento (teve oito cortes quando passou em nossos cinemas) e exagerado (ou sem controle), talvez por isso mesmo se tornou cult. De Palma fala que nas pré estréias o pessoal da industria odiou o filme (que chegou a ser indicado ao Framboesa de pior diretor). Mas que o via como uma espécie de Tesouro de Sierra Madre atualizado e enlouquecido, o sonho americano transformado em auto-destruição.  Chegou a receber classificação X (ou seja, proibido para menores) da auto-censura mas conseguiram rebaixar para R, fazendo alguns cortes. Muito esperto, De Palma fez de conta que obedeceu, mas acabou mandando para a as salas a versão completa, integral e o estúdio nunca percebeu nada (mais ou menos como se fazia no Brasil na época da ditadura, fingia-se que se cortava o que a censura pedia). De Palma só foi revelar isso quando o filme saiu em Home vídeo.

Totalmente ignorado pelos Oscars, chegou porém a ter indicações ao Globo de Ouro (Pacino e Steven Bauer e também a trilha musical eficiente mas agora um pouco datada de Giorgio Moroder). Nos extras do Blu-ray, um deles inédito e feito pelo especialista do gênero Bouzereau, vários rappers, diretores de cinema (Eli Roth, Antonio Fuqua, Keith Gordon, o italiano que fez Gomorra), críticos, escritores,  declaram sua paixão pelo filme a que chamam de “over the top”, operístico, hiper realista, o Inferno de  Dante. Mas dizendo sempre que tudo isso foi de propósito. E que ate Tarantino teria se inspirado no tiroteio final para seus Bastardos Inglórios. A influência do filme na mídia é impressionante. Basta dizer que a máquina de lavar dinheiro sujo do ditador do Iraque Saddam Houssein se chamava Montana Management! O IMDB cita mais de 300 casos onde o filme é mencionado seja com pôster, com frase famosa ou cenas inteiras. E os extras mostram alguns (South Park, Saturday Night Live, Law and Order). Demonstrando que Scarface se tornou um fenômeno, que hoje faz parte da cultura básica americana! Ainda que na estréia não tenha feito tanto sucesso de bilheteria, teria custado 25 milhões e rendido 45 nos EUA e  mais 60 no exterior (Seria preciso no entanto levar em conta a inflação que mudaria esses dados). 


Nas entrevistas atuais no Blu-ray (estão presentes Steven Bauer e De Palma assim como o produtor mas não Pacino ou Pfeiffer) não se menciona outras atrizes que teriam sido convidadas para o projeto. Mas outras fontes indicam que houve várias candidatas (Kim Basinger, Kathleen Turner, Rosana Arquette, Jennifer Jason Leigh, Jodie Foster, que teriam recusado o papel assim como Brooke Shields, por ser nova demais e ainda Glenn Close, preferida pelo produtor). Travolta foi convidado para ser o parceiro de Pacino (no lugar entrou  Bauer, que era o único cubano de nascimento e que foi casado com Melanie Griffith. Apesar do tipo ele não chegou a emplacar).

Em geral o elenco de apoio é muito bom, começando pelos chefões do crime feitos por Robert Loggia (ótimo, mas infelizmente não muito conhecido) e Murray F. Abraham,  futuro vencedor do Oscar® por Amadeus. Revelou Mary Elizabeth Mastrantonio (de origem italiana) para ser a irmã vitima do incesto, mas ela se casou com o diretor Pat O´Connor, teve dois filhos e hoje se contenta em fazer papéis em séries de TV. Teria sido também escolhida por teste Michelle Pfeiffer (que teve que pagar sua passagem para vir a Miami fazer o teste, que o produtor achou que era uma prova de seu interesse). Naquela altura ela já havia estrelado o fracasso Grease 2  (cabelo errado dava a impressão de que era gorda e sem pescoço). Determinada a provar o contrario ela emagreceu muito e ficou deslumbrante. Deram-lhe inclusive uma verdadeira entrada de estrela, descendo um elevador num vestido insinuante e depois entrando na sala. Outra cena memorável é quando a câmera lentamente vem se aproximando do seu rosto (lindo) enquanto ela cheira cocaína, se pinta e fuma cigarro. Alias todo mundo cheira demais e em toda parte (o fato é que em Hollywood e no mundo era o auge da moda de se drogar, tanto que chegam a dizer que aqueles chefões que aparecem se comportam como os executivos dos estúdios na época na visão de De Palma). De qualquer forma, com o filme Michelle Pfeiffer se tornou estrela até hoje.

Segundo os especialistas o palavrão Fuck é dito 226 vezes e há 42 mortes. Prova de que não é um filme leve. Sem dúvida, De Palma quis fazer uma “alegoria”, ser maior do que a vida como se costuma dizer, não um semidocumentário. (o filme ficou em 10º lugar na lista dos melhores filmes de gangsteres do American Film Institute em todos os tempos).
 O mais interessante é ver Pacino sem barreiras deitando e rolando  no personagem sem qualquer freio (ele só falava com o fotógrafo John Alonzo em espanhol para ficar dentro do personagem e foi ele quem improvisou a palavra yeyo yeyo para designar a Coca, que foi assumida pelo diretor). Tem muita gente que o acha caricato aqui, outros adoram. Confesso que na primeira visão tinha me assustado, agora ou já me acostumei ou a percepção mudou (aquela velha historia “mudou o mundo ou mudei eu?”). Mas não há dúvida que é uma figura dominante e carismática.

Também o filme ganha contornos de um conto moral, mostrando a ascensão, apogeu e queda de um criminoso que é corrompido pelo seu trabalho (não ouve a frase que diz Michelle, “don´t get high on your own supply”, “não fique alto com seu próprio estoque”). Mas há várias outras frases e momentos que entraram para a cultura pop, como a cena da Serra Elétrica (das mais sangrentas, mas uma que De Palma constrói devagar, usando gruas e entradas e saídas por janelas. Na verdade, ele se não tem aqui grandes tours de force, sempre dá um toque especial a cada movimento de câmera e enquadramento). Entre as frases: “Diga alô para minha amiguinha” (no caso sua metralhadora), “Eu tenho duas coisas no mundo que eu respeito, meus ´documentos´ (balls, no caso falando também de sua coragem) e minha palavra e eu não as quebro por nada nem por ninguém” (quando se recusa matar crianças e mulher); “Eu sempre digo a verdade mesmo quando minto”. “Lição numero um: nunca subestime a ganância alheia. Neste pais você tem que conseguir primeiro a grana, depois o poder, só então a mulher que deseja”. “Será eu não dá para dizer Fuck o tempo todo”... “O mundo pode ser Seu. Mas a que preço”? (e muitas outras).

Por causa de tantos palavrões um dos extras na edição em Blu-ray mais interessantes é como o filme foi redublado e suavizado para a televisão, tirando todos os excessos (Scarface TV). Há  outras mais longas no externo desse acampamento, tomada diferente dos 4 amigos andando de conversível pela Ocean Drive, uma compra de droga de um cara que tem de tudo, um passeio pelo jardim de Mr. Soza, detalhe maior do Abraham sendo morto no helicóptero, cena maior com advogado, a chegada ao restaurante onde Montana faz escândalo depois, começo do encontra com Loggia, e cena noturna quando quase é preso por policiais. Noutro, policiais e agentes dão depoimentos de como era o trafico na época em Miami. Fala-se também que o elenco teve um mês inteiro de ensaio antes das filmagens (o que é muito raro). 

Tem momentos de virtuosismo e algumas das sequências de ação e  violência mais fortes já realizadas pelo cinema. Está na minha lista dos filmes que mais assisto.


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